Em setembro de 2014:
Quando um jogador começa a investigar o Rasaboxes pode entrar no tabuleiro por qualquer lado, em qualquer box, e fazer o trajeto que mais lhe inspirar. Não existe o começo, mas um começo possível dentre tantos. Não há preparação para aquilo que será realizado. Não existe um antes ao qual o jogador possa se referir que não sua própria experiência no tabuleiro. Essa dinâmica tão particular não poderia ser deixada de lado nesse trabalho. É essa dinâmica sem começo, sem antes, que inspira essa introdução, afinal falar sobre algo que não tem um começo determinado exige uma organização flexível, acessível por vários pontos. A pretensão dessa introdução é poder ser abordada por vários lados.
Percebi que a maioria das referências, conceitos e informações ligadas a criação do Rasaboxes continham alguma informação que formava uma rede complexa de temporalidades. Isso impedia a seleção de um ponto temporal determinado para começar um texto introdutório, pois logo a diante, teria que evocar outro, tão importante quanto o primeiro. Dessa forma escolhi expor todas as temporalidades num jogo de episódios. Esses episódios tem um peso genealógico porque mostram tempos e elementos conceituais específicos que ajudaram a compor o Rasaboxes como prática de trabalho para o ator/performer e como objeto de estudos desse trabalho. Esses episódios carregam narrativas independentes e questões próprias, que podem ser ordenadas de acordo com a sensibilidade e bagagem do leitor[1] e que ao longo do trabalho serão retomados de formas distintas e pormenorizadas. Esses episódios levantam uma série de questões, a princípio, pertinentes apenas aos seus escopos temporais e conceituais, porém, ao longo do trabalho elas voltam, ganhando contexto aplicado. Portanto, a aparente desconexão e dispersão das questões que envolvem a criação do Rasaboxes e desse trabalho ganharão fôlego durante o desenvolvimento do próprio trabalho. Sempre que penso nessa introdução penso no díptico A Escola de Atenas depois de Rafael, de Vik Muniz.

Figura 2 - A Escola de Atenas depois de Rafael (2008), Vik Muniz.
No quadro duas forças concorrem por nossa atenção. Uma delas é o tema da obra renascentista de Rafael que tentamos reconhecer através da outra força, que é a técnica que o artista utiliza para reproduzi-la. A imagem consagrada é fruto da justaposição e não do encaixe (como se poderia esperar) de peças de um quebra-cabeças. Flutuamos entre um olhar relaxado, que procura captar a imagem como um todo, e um olhar focado, que vê uma dança de peças independentes. Será que essa dança pode produzir outras imagens? E se eu piscar o olho e elas se reorganizarem? Verei outra imagem? A tensão provocada pela aleatoriedade com que as peças parecem ser dispostas perturba nossa vontade de apreensão do todo coerente. Percebemos que cada peça carrega sua palheta de cores, por vezes alguns traços, algumas pistas do que pode ser uma paisagem maior, e mesmo assim essa peça permanece independente, indicada pela sombra que projeta sobre as demais, pela dimensão física, material que a constitui e nos faz lembrar que o que existe são apenas os pedaços. A imagem final é uma composição que pode mudar assim que o artista reposicionar as peças.
Procurei dar a mesma dinâmica percebida no quadro à essa introdução e ao trabalho como um todo, onde cada peça tem valor próprio, mas também compõe com outras peças, formando quadros mutantes que formam figuras diferentes segundo a ordem de leitura. Assim como, a cada dia de trabalho, as rasas mudam de lugar no tabuleiro e possibilitam outras combinatórias e vizinhanças, tornando a experiência do jogo mais complexa e completa, esse trabalho também pretende ter a plasticidade necessária para ter qualquer um de seus trecho reposicionado.